quinta-feira

“A Colher de Samuel Bechett" de Gonçalo M. Tavares




interpretado por Álvaro Correia
Texto de autoria de Gonçalo M. Tavares
Encenação de João Mota
A peça está em cena até Abril no Teatro da Comuna
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Interpretação da Peça

Um homem, com um laço de enforcado, cinco plataformas, uma com uma mesa , um bloco, uma caneta, a cadeira onde estava sentado, outra com um copo com água, outra que dava para a porta de entrada de casa, outra com um relógio, e por fim uma com uma mesa posta para dois com dois pratos, dois copos, dois guardanapos mais dois no caso de ser necessário, uma garrafa de vinho e UMA COLHER...

A busca pela perfeição, organização estavam a levar este homem á loucura, estava prestes a morrer pelo excesso que o indignava e revoltava.

Vi neste homem alguém que não se conformava com injustiças do dia a dia, o barulho incomodavam-no, as pessoas incomodavam-no, tinha necessidade de se refugiar em lugar mais alto para que nenhuma das futilidades do quotidiano o atingissem, vivia em um mundo a parte, tinha a sua organização, as suas regras, o seu espaço mas não era feliz, o mundo revoltava-o...

Todo o seu excesso de organização limitavam-no a não conseguir sequer aperceber-se do óbvio, apesar de se aperceber do que o rodeava não conseguia olhar para dentro de si e ver que o tempo, e o espaço o anulavam momento após momento.

Também posso retirar outra leitura desta peça, que vai contradizer completamente a minha última opinião...

Será que este homem estava vivo?!

O facto de olhar só para o seu umbigo não o poderia estar a manter afastado de um mundo real que simplesmente já não existia?!

Permanecia parte do seu tempo em locais "acima da terra" não seria já a distinção entre vida e morte?!

Visionava o que se passava no quotidiano da vida terrena, o que claramente o indignava e repudiava...

Esteve imenso tempo a espera do seu convidado, o escritor, e quando por fim tocaram a campainha, decidiu não atender...não seria uma personagem fictícia criada pela sua imaginação?!

Acredito que cada pessoa poderá retirar interpretações completamente diferentes, o que faz com que esta peça se torne mágica e nos deixe a pensar...

A minha conclusão... curta e directa, não adianta inquietarmo-nos de forma desequilibrada com o que nos rodeia sem sequer ainda termos aprendido a olhar de forma limpa e serena para o que se passa debaixo do nosso nariz!

Ela esteve sempre lá....

Manuela Jorge
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Interessante consultar:

http://homelessmonalisa.darq.uc.pt/GoncaloM.Tavares/ideia_3.htm
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Há uma colher que falta na mesa cuidadosamente “disposta” e o “caos” gerado por esta constatação. Este caos é-nos retratado quer pelas acções físicas do actor, quer através do seu universo psicológico psicótico.
Fisicamente sobem-se e descem-se escadas, calçam-se e descalçam-se meias e sapatos de forma mecânica, do início ao final da peça. A nível psicológico, o actor dá-nos conta do seu conflito (caos) interior, da sua confusão mental ao ponto de implicar com questões aparentemente simples, como a questão dos guardanapos sobre a mesa, que não devem ser 4 mas “2 mais 2 por se acaso”…
A peça parece tratar do conflito interior do homem que espera, que aguarda “impotente” que algo aconteça- no caso, aguarda a chegada de um escritor.
“Quem espera desespera”, já diz o ditado popular. Este desespero é materializado nas divagações, nos pensamentos que povoam o universo mental do homem expectante, os quais agravam o estado de ansiedade do homem.
Assim, numa tentativa de ocupar o tempo morto e a mente enquanto espera, o “ser expectante” embrenha-se em pensamentos metafísicos como o do número 0 – assassino que extermina tudo o que com ele entra em contacto. É-nos revelado o homem pensante (o filósofo???) que não chega a parte nenhuma porque o resultado das suas divagações metafísicas é conflituoso, não esclarecedor e confuso, agravador do seu drama emocional.
No entanto este tema do “caos” parece ser derivado de outro aspecto humano mais complexo e profundo – o da solidão, que simbolicamente é formalizada em cena através de uma corda atada ao pescoço do actor.
O homem só, que espera e desespera. Essa mesma solidão que leva o indivíduo a problematizar tudo, inclusive a simples organização de uma mesa ou de um prato “com sopa dentro”.
Penso que a peça traduz a inquietação humana, fruto da solidão pois é nesta condição que a primeira se torna evidente.

Apreciação pessoal
Gostei porque me obrigou a pensar. É um texto, quanto a mim, difícil e que pode abrir muitas portas. Ainda assim, penso que consegui “fechar” algumas gavetas.
Gostei imenso. Gostei do texto, muito da interpretação e também dos cenários.
Só faltou a partilha de opiniões, gostava de debater com os colegas e a professora…

Sara Bessa,
09/03/2006


O meu olhar…
Aqui está um belo exemplo, para mim aluna /barra/ actriz, de como se concebe um espectáculo com todas as componentes que regem uma dramaturgia evolutiva.
A elaboração do texto com base no universo de Beckett, onde a reivindicação da existência pensante como sendo o núcleo da condição humana é fascinantemente significativa. Chegando a ser grotesco, encontra-se entre uma loucura comedida onde tudo é planeado ao mais ínfimo detalhe, um perfeccionismo doentio. Tudo deixa de ter sentido ao faltar um objecto. Tudo se questiona, com raciocínio lógico e estratega. A importância do processo atinge o limite, classificar e ordenar - COMEÇAR, AVANÇAR E TERMINAR.
A estreita relação do texto com o som, luz, gesto e palavra demonstra o rigor da dramaturgia do espectáculo. Tudo se liga e suporta, o barulho incomodativo como sendo o seu tumultuoso pensamento que o consome, ouve, sente e fala tudo dentro das cadências musicais – o ritmo frenético do pensamento - como sendo um enormíssimo monólogo interior de e sobre tudo que o rodeia. Os ângulos de incidência a meu ver fazem mais do que desenhar a luz e as sombras perceptíveis à vista mas também desenham o movimento corporal aliado à intensidade e dinâmica das palavras.
O espaço cénico engenhosamente edificado, determina a estrutura do raciocínio abordado no texto, a necessidade da ordem, separação e organização. No entanto a corda sugere uma ligação com o outro lado do seu ser, ou de outra realidade exterior, onde se encontra é um campo tortuoso da sua mente, onde tudo questiona, critica se liberta talvez. O grotesco de novo como compensação das contradições.
O trabalho de interpretação nesta peça é de uma técnica exímia, onde o corpo, a voz, o intelecto e a emoção estão de certa forma relacionados com o final da peça: o claro, o simples, o aceitar, o aguardar, o trabalho constante de articulação e coordenação psíco física.

Dina Zamora

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